Tiago Franco: Mandaram-me por e-mail um texto seu com o título "serve-te o chapéu?" sobre o preço das casas e de outros bens, que deveria ser justo (não existe preço justo nem valor absoluto duma coisa; justo é um conceito moral, preço não), que queria comentar, mas não o encontro na sua página. O aspecto que queria comentar é este: no seu texto está subjacente a ideia que a sociedade é um mero somatório de indivíduos, se todos fossem justos teríamos uma sociedade justa. Só que há os gananciosos, os invejosos, os mandriões manhosos medíocres mas que vencem os mais espertos e lhes sugam o fruto do seu esforço, os vaidosos, os gulosos, os mentirosos, os egoístas e egocêntricos, enfim uma lista quase infinda de pecados capitais. Em contrapartida as virtudes são uma excepção, talvez meros sonhos. Este problema é milenar, a minha observação é que sempre assim será, mais coisa menos coisa, é a natureza humana. Esforços para tornar o mundo melhor não faltaram, desde há milénios, e a natureza humana permanece na mesma. Mas defendo que se deve fazer esforço através da educação para que não se caia numa selvajaria, pouco falta para se voltar a isso. É que o problema do preço "injusto" não é uma questão individual, é de natureza social. O valor não é absoluto porque o seu conceito - seguindo a ideia dos economistas clássicos (alguns) que se mede pelo tempo de trabalho que foi necessário para obter o produto - nem é aceite por todos, como princípio, nem é prático calculá-lo. Então, o valor duma coisa numa sociedade com moeda é o montante monetário que um indivíduo está disposto a desembolsar por ela para que o seu dono lhe transmita a propriedade dessa coisa. Nesse caso, num mercado, o valor passa a chamar-se preço. Há o elemento subjectivo do comprador (o montante que está disposto a dar), o elemento mercantil (aquele que o outro quer que depende de factores psicológicos e outros) e o aspecto social de mercado, que já é uma realidade social (o conjunto dos indivíduos que procuram coisas). Ao passar-se do plano individual para o social, os comportamentos baseados no que se passa na cabeça dos indivíduos passa a alterar-se, quando ele vê que há uma disparidade de valores que se houver muitos a procurar e poucos a oferecer, ele, com o seu egoísmo e egocentrismo, pode pedir mais do que achava ser o seu justo valor da coisa. Podia estar enganado nas suas cogitações, no seu isolamento, afinal. Daqui decorrem muitos desenvolvimentos que não cabe aqui expor. O principal é: os mercados devem ser livres, à mercê da lei da selva, ou devem estar condicionados por poderes de natureza social, que procurem diminuir os efeitos da "ganância"? Várias respostas houve, a que actualmente prevalece é de que a liberdade deve ser total porque será a que melhor contribui para o bem-estar de todos os indivíduos em sociedade, por isso a livre concorrência aparece como um valor sagrado e a isso chamam "os mercados". Foi adoptada no séc. XVIII, depois de várias peripécias cíclicas de intervenção do Estado (com evidentes melhorias de carácter social global, na maioria dos casos, menos felizes, noutros) voltou a ser perfilhada a pouco a pouco desde 1979 em que Margareth Thatcher a impôs em Inglaterra com a "deregulation", encantou Tony Blair e outros "socialistas liberais". Há um dado sobre enriquecimento: não se conhece nenhum milionário que o seja baseado no seu trabalho e sempre assim foi: ou se enriquece pelo esbulho, o roubo puro e simples à descarada e pela força, ou se enriquece por um roubo sofisticado, através dos tais mercados livres, às vezes também de forma descarada. O que eu penso é que o equilíbrio económico e social dos livres mercados selvagens é uma mentira, que prevalece actualmente porque a sociedade não tem memória, poucos aprendem História (única forma de memória social) e há uma evolução por ciclos, em que cada vez se recomeça do zero. No caso da habitação a solução não está nos mercados nem na moral individual, é de natureza política e só tem solução se houver um governo que aplique o que saca em impostos aos cidadãos para resolver problemas de natureza social, entre eles construindo casas de renda moderada, que ao longo do tempo daria para as pagar à comunidade e tornarem-se propriedade individual. Actualmente estamos longe disso, os ganaciosos eleitos ainda não concluíram todas as suas "reformas" e o elitorado quer, porque os elege. A situação que defendo pressupõe uma estratégia de desenvolvimento (que não há, já houve mas caiu em desuso com o liberalismo), porque o problema é muito complexo. Temos a actual situação porque os governos a querem e as pessoas, ignorando os fundamentos da política, votam neles. ------------------------------------------- TEXTO COMENTADO ------------------------------------------- SERVE-TE, O CHAPÉU? Por Tiago Franco Facebook 24 Setembro 2025 Fiquei a pensar na conversa dos mercados (ainda sobre a notícia do Expresso com o preço estratosférico das casas) e conclui que é algo que já não dá para mim. Não consigo discutir isto de forma civilizada porque tudo me irrita. Apetece-me logo começar a conversa pelo fim e dizer "não sejam gananciosos". Ou se forem, não se queixem depois. Há mais de uma década uma pessoa tentou vender-me um computador (mac) antigo, pedindo o preço de um novo. A justificação era simples: se não vender o velho pelo preço de um novo... não se consegue comprar um novo. Ao que respondi que, nesse caso, seria preferível comprar um novo e a pessoa respondeu, tudo bem. Por mais que eu tentasse explicar a estupidez do argumento, para aquela pessoa, nada mais fazia sentido. Demorei alguns anos até tropeçar neste tipo de argumentação mas, em 2025, isto passou a ser o pão com manteiga dos nossos dias. E reparem nesta que vai já em avanço para o caso particular das casas. É verdade que há pouca construção, carga fiscal absolutamente incompreensível e uma burocracia surreal. Mas isso, por si só, não justifica os preços que colocamos nos bens. Em qualquer bem. Não há falta de oferta no mercado automóvel e não é por isso que os preços baixam. No sítio onde agora vivo (Açores) é normalíssimo ver carrinhas com 20 ou 30 anos a custar entre 15 e 20 000 euros. Quase o preço que custaram novas. A razão lógica? Nenhuma. Apenas o facto de se todos vendem ferro-velho caríssimo, porque não o devo fazer também? O mesmo com as casas. Há propriedades sem condições de habitabilidade por 400 000 ou 500 000 eur. A justificação? Não há pressa para vender e, como tal, podem ficar ali como referência de especulação durante 6 ou 7 anos. Isto acontece em cada aldeia, vila e cidade deste país. Parece a corrida ao ouro mas em versão dos pobres. Mais uma disputa pelo acesso ao bolso de turistas, reformados louros em busca de sol ou nomadas digitais que sempre sonharam conhecer Reguengos. Quanto compras um carro e vendes pelo mesmo dinheiro, uma década depois, sabes que estás a inflacionar o mercado. Quando compras uma casa e vendes pelo dobro uns anos depois, sabes que estás a dificultar o acesso a maior parte dos teus conterrâneos. Já para não falar que dás inicio a um processo de estrangulamento em que as vendas seguintes estão logo condicionadas para pagar créditos altíssimos. Nenhum de nós tem que ser a Santa Casa mas, se queremos ser fonte activa da especulação, não nos podemos queixar quando o efeito do aumento do custo de vida nos bate à porta. A forma de enriquecer, para quem procura essa via, é o trabalho. Tem ideias, trabalha, dedica-te, exige uma justa distribuição da riqueza gerada, luta pelos teus direitos laborais, organiza-te dentro da luta de classes. Não sejas aquela pessoa que procura uns cobres fáceis entalando o vizinho do lado. Ao longo dos anos perdi a conta aos carros que comprei na Suécia e vendi em Portugal. Fi-lo sempre com a mesma lógica. Uso-o na viagem para Portugal, desconto os quilometros que faço e vendo ao preço abaixo do que me custou na Suécia. Ou seja, muitíssimo mais barato do que custaria em Portugal. E qual é a razão? Muito simples. Eu uso carro porque detesto voar e não me sentiria bem a ganhar dinheiro com um medo que só me atrapalha a vida. Quem compra esse carro está a facilitar a minha vida. Porque ainda ganharia dinheiro com isso? O mesmo se passa com casas que nunca vendi ao "preço que agora custa". Qual é a necessidade de ter uma casa anos e anos à venda, por um preço absurdo, na esperança que apareça um pato? Não era mais fácil se todos trocássemos as coisas pelo seu preço real, justo ou aproximado, fazendo a economia mexer um pouco mais? Nós conseguimos influenciar o que se passa à nossa volta. Especialmente se formos muitos a perceber o que se passa. O trabalho e o salário é que nos devem proporcionar qualidade de vida e não a venda de sucata, paredes ou bugigangas. O resultado final é um país onde mais de metade da população sufoca para chegar ao fim do mês. Não sei bem se nos podemos queixar muito. Fizemos qb para aqui chegar.
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